Com prefácio e resenha de Cora Rónai
Conheça a obra de Ary Quintella, embaixador do Brasil na Malásia, diplomata, escritor e explorador de ideias, em que transforma o cotidiano em arte, unindo vivências pessoais e reflexões universais. Com prefácio de Cora Rónai, colunista do jornal O Globo, o livro desafia e encanta com diversas referências culturais, mostrando que o tempo é uma abstração. Os ensaios refinados do autor conjugados à leveza de sua escrita oferecem uma conversa culturalmente rica e envolvente.
Leia trechos do livro
"Roma não está mais em Roma"
"(…) Em um plano bem mais modesto do que Duby, eu também já troquei Paris por Aix. Em julho de 2017 lá cheguei para passar um fim de semana, a caminho de Paris. A programação de ópera no Festival estava perfeita; o clima, sedutor; a alegria na cidade, contagiante. Comecei a me perguntar se precisava mesmo ir à capital. Toda manhã, eu avisava à recepção no hotel que ficaria mais uma noite. Viajar de férias, eu decidira, significa não fazer planos nem sequer para o dia seguinte. O centro histórico de Aix é de uma beleza de dimensões quase domésticas. Duby diz que dá para atravessá-lo a pé, de parte a parte, em sete minutos. Se eu estava feliz ali, por que ir a Paris? Acabei não indo. De dia, passeava pela região. À noite, ia à ópera. Fui ao Festival de Avignon. Fui à praia em Cassis. Contornei a montanha Sainte-Victoire, personagem central na obra de Cézanne.
Justamente, um dos lugares mais sedutores de Aix é o estúdio do pintor, preservado, em grande parte, graças aos esforços, na década de 1950, de dois americanos, o memorialista James Lord e o historiador da arte John Rewald. Uma grande parede de vidro deixa entrar a luz essencial para o trabalho do artista. Vemos objetos – vasos, pratos, figuras de gesso – que Cézanne usava como acessórios em suas telas. É comovente reconhecê-los. Vemos, pendurados, seus sobretudos e chapéus, seu guarda-chuva e sua bengala. Vemos também parte de sua biblioteca. Notei ali, da última vez, uma bela edição de As vidas dos homens ilustres de Plutarco. Supus que a tradução seria a mais clássica disponível em francês, a do século XVI, feita por Jacques Amyot. Traduzida quase que imediatamente do francês para o inglês, ela serviu de base a Shakespeare para suas tragédias romanas. Transformou-se em um monumento literário e também histórico; fonte de inspiração para intelectuais, figuras políticas e artistas que, durante três séculos – e notadamente durante a Revolução – quiseram emular ou celebrar Roma e seus supostos valores heroicos e morais. É a tradução que tenho. (...)"